Um apelo ao PS

28-05-2014 09:59

Há uma cena na parte final de Tubarão, o filme de Steven Spielberg, em que o chefe da polícia, vendo pela primeira vez o bicho a passar à superfície do mar, a poucos metros de distância de si, e comparando a sua aterradora dimensão com a do barquito em que se encontra, se vira para os seus dois colegas de aventura e diz: "precisamos de um barco maior".

Lembrei-me desta cena quando vi, pela televisão, os dirigentes do partido socialista a congratularem-se com a sua vitória nas eleições europeias. Porquê? Porque há coisas que saltam aos olhos, como no filme Tubarão, e para mim salta aos olhos que o PS necessita de uma nova liderança. Mas, aparentemente, os dirigentes socialistas que estavam presentes na sala do Altis não estão conscientes da insuficiência do seu barco e do seu timoneiro, para enfrentar a dimensão do tubarão que os ronda. Por isso os vimos em efusivos abraços,
os ouvimos proclamar que tudo estava bem e que vinham aí amanhãs que cantam, num tom auto-congratulatório e esperançoso que não condiz minimamente com os resultados das últimas eleições.

De facto, a direita teve a sua maior derrota de sempre no Portugal democrático. O PSD e o CDS coligados não chegaram a 28% dos votos expressos. Mas o PS não conseguiu aproveitar esse descalabro eleitoral, colhendo apenas 31% dos votos e conseguindo só mais um deputado do que a maioria governamental. Magra vitória, portanto. Ainda assim, os dirigentes socialistas aplaudiram-se e desdobraram-se em declarações festivas. É claro que tudo isso faz parte do espectáculo político pois há que tentar capitalizar as vitórias, ainda que escassas. Além do mais, é fulcral, para quem dirige, tentar conter a contestação interna e, para isso, nada melhor do que fazer a festa e lançar os foguetes. Mas é preciso não levar o carácter histriónico dessas festas artificiais e defensivas demasiado a sério, nem tapar o sol com uma peneira, e perceber que, por este caminho, o PS irá de vitória em vitória até à derrota (ou à vitória pífia) final. Porquê? Porque as suas propostas não são convincentes, porque o partido não tem garra, porque anda pálido, morno e abúlico, muito à imagem do seu líder. Nada me move contra António José Seguro. Será, certamente, uma pessoa cheia de qualidades e méritos. Mas para mim - e, ao que parece, para milhões de eleitores portugueses - Seguro não tem os requisitos necessários para levar o maior partido da oposição a uma vitória folgada nas próximas eleições. Não é suficientemente entusiasmante nem tem o carisma exigido. Dirige o partido há três anos e já venceu duas eleições, sem nunca as ter vencido de uma forma categórica e convincente. Também não acredito que venha a ser um bom primeiro-ministro. Pode ser o nosso Hollande - que chegou lá porque um escândalo sexual arredou Strauss-Kahn da corrida -, mas isso não é grande recomendação, pois não?

Eu receio estar a ser muito injusto para com Seguro mas, na minha opinião, a sua performance tem sido insuficiente e, às vezes, confrangedora. Foi confrangedor, por exemplo, ouvi-lo dizer que o PS teve "uma grande vitória". Não teve. Aliás, convirá lembrar que Seguro tinha feito destas eleições uma espécie de primeira volta das legislativas. O resultado dessa putativa primeira volta foi, no mínimo, desencorajador. Por isso a direita sente (e diz) que nem tudo está perdido para as suas cores e que ainda é possível ganhar as legislativas de 2015. E, por este andar, efectivamente, é, pois os socialistas estão numa espécie de impassibilidade de faquir e não mexem um músculo que seja. Não sou militante do partido mas identifico-me com muitas das suas propostas e com aquilo que ele representa na história e na vida deste país. Estou, por isso, muito preocupado com o rumo que as coisas têm vindo a seguir e deixo aqui um apelo à gente do PS para que repense de alto a baixo a questão da liderança. Sem isso o seu barco não será suficiente grande, nem suficientemente bem dirigido, para pescar o tubarão - João Pedro Marques (Publicado pela 1ª vez in Jornal i, 28 de Maio de 2014).