O comboio de Passos Coelho

11-12-2013 11:59
 

Nas últimas semanas a economia portuguesa tem vindo a dar alguns sinais positivos: o país saíu da recessão, as exportações subiram, o desemprego continua a diminuir lentamente, etc. Quanto tempo durará esta melhoria e até onde irá ela? Será consistente ou um simples fogo fátuo? Ninguém sabe ao certo, mas o simples facto de existir tem permitido que nestas últimas semanas o governo e os que o apoiam tenham ganho alento e trunfos para defenderem a continuação das suas políticas. É verdade que ao longo destes dois anos e meio de grande aperto financeiro e de correspondente crise em todos os planos da vida social, a maioria PSD-CDS apontou toda e qualquer luzinha que se acendesse no horizonte como prova de que íamos no bom caminho. Mas agora essas luzes parecem mais numerosas e plausíveis. Não admira, por isso, que do lado do governo, se multipliquem os bons augúrios. Ainda há dias, a propósito do adiamento do prazo de pagamento de uma parte da dívida pública e da venda de acções dos CTT, a maioria veio enaltecer essas “operações de sucesso”, considerando que corresponderiam a um “novo ciclo” e à prova de que os mercados confiavam em Portugal. Da Europa chegaram, também, as habituais vozes de caução e reforço da política seguida. A mais recente declaração nesse sentido veio do comissário europeu Olli Rehn que, apoiado nos dados do Eurostat, assegurou que a economia portuguesa tinha feito grandes progressos no contexto da zona euro.

Percebe-se o optimismo do governo e de quem o apoia cá dentro e lá fora. Tinham traçado um trajecto para o país, como quem pensa num comboio que tem de ir de Lisboa ao Porto, e celebram o facto de esse comboio estar aparentemente a mover-se. Mas, se assim é, porque razão o país não se entusiasma em conformidade? Em primeiro lugar, porque está saturado de previsões falhadas e de falsas promessas, e quer ver para crer. Em segundo lugar — e mais importante — porque mesmo que o movimento se confirme, mesmo que o comboio esteja quase a chegar à estação de Santarém, continua a ser demasiado caro para a generalidade dos portugueses. Convem não esquecer que a par dos indicadores económicos positivos prosseguem os cortes de vencimentos, de reformas, de apoios sociais, etc. É verdade que o desemprego diminui mas os salários também descem e a emigração cresce porque as condições de vida se degradam e o futuro se afunila. Sabemos, aliás, que este processo de pauperização dos portugueses não irá ficar por aqui e que novos cortes se preparam. Os funcionários da troika aí estão para levarem a cabo a 10ª avaliação do programa de resgate e já consta que pretendem aligeirar ainda mais as regras de protecção laboral no sector privado, e impor maior contenção da despesa pública, nomeadamente nos apoios sociais (doença, maternidade, desemprego, acidentes de trabalho e por aí fora).

Neste contexto, não admira que a generalidade dos portugueses duvide dos amanhãs que cantam e veja o Primeiro-Ministro como um mero maquinista cuja única preocupação é a de levar o comboio do ponto A ao ponto B. Com os olhos fixados no exterior e nos mercados, Passos Coelho não entende que tão importante como saber se o comboio vai ou não bem lançado e se chegará ao seu destino, é ter em consideração o que se passa no interior das carruagens. Não se sente — ou, pelo menos, eu não sinto — que se identifique com o povo que governa e que sinta empatia com as pessoas e os seus problemas. É, ou parece ser, um homem que aplica friamente uma receita e que paira sobre o sangue, suor e lágrimas de todos nós, e sobre o fragor das nossas batalhas quotidianas. Se este comboio chegar ao Porto dentro do horário predeterminado e na modalidade “custe o que custar”, será certamente uma daquelas composições antigas com 1ª e 2ª classes e é garantido que o grosso da população irá apinhado nas carruagens de 2ª, ou terá mesmo ficado em terra. Ora, quem poderá embandeirar em arco com uma viagem destas? Só os que forem na carruagem de 1ª ou os que, à semelhança de Pompeu — ou de Mussolini —, pensarem que “navegar é preciso, viver não é preciso”, João Pedro Marques (publicado pela 1ª vez in Jornal i em 11 de Dezembro de 2013).