Insensatez

25-03-2013 14:18

Há cerca de uma semana, comentando a decisão do Eurogrupo a respeito do Chipre, o Presidente Cavaco Silva considerou que a Europa estava a trilhar caminhos perigosos e lamentou que o bom senso tivesse emigrado para outras paragens. Ou seja, criticou a decisão do Eurogrupo e colocou (sem a explicitar) a importantíssima questão da insensatez nas decisões políticas. E, a meu ver, colocou-a bem pois, de facto, e quando visto de fora e à distância, o Eurogrupo parece uma nave dos loucos onde se brinca com o fogo e se decide com indiferença sobre a vida dos outros, e cujos tripulantes, depois da violência feita, agem como crianças irresponsáveis, sacudindo a àgua do capote e apontando o dedo acusador ao parceiro do lado.

E é natural que perante um comportamento destes as populações da Europa, sobretudo as da Europa do sul, sejam percorridas por um grande arrepio colectivo. Estaremos entregues a loucos? A pergunta tem alguma razão de ser. Claro que é altamente improvável que os membros do Eurogrupo sejam todos desarranjados da cabeça e do coração, mas é bem possível que alguns deles o sejam e que as relações de dependência política e de poder relativo no seio de um órgão daquele género, acabem por arrastar (ou por calar) os mais tímidos ou mais sensatos. Não deixa de ser muito perturbador darmo-nos conta, de vez em quando e um pouco ao sabor da sorte e dos acidentes de percurso, que algumas figuras que dirigem o mundo, figuras investidas de grandes responsabilidades, carregadas de poder e que apenas conhecemos de ver na televisão, são, digamos assim, “peculiares”, para usar uma palavra suave. Pensem em Strauss-Kahn, por exemplo. Para além de director do FMI Strauss-Kahn era o mais do que provável candidato socialista às últimas eleições presidenciais francesas e seria, quase de certeza, o actual ocupante do Eliseu se as coisas não tivessem descarrilado num quarto de hotel em Nova Iorque. É inquietante, não é?

Mais inquietante ainda é perceber que gente “desequilibrada”, digamos assim, continua a ser escolhida para governar apesar das suas características psicológicas e das suas falhas morais ou afectivas. Se há casos insondáveis ou imprevisíveis dos quais as sociedades não podem proteger-se antecipadamente, como explicar aqueles outros casos em que as próprias sociedades decidem atribuir poder a alguém que sabem de antemão ser “louco” ou “original” (como se dizia no século XIX)? Esse é, desde o tempo de Hitler, um dos grandes temas e mistérios da História Ocidental recente. Essa História avisa-nos insistentemente dos riscos que corremos ao entregar os lugares de decisão a certo tipo de pessoas. E, no entanto, a figura do “louco” investido de poder político continua a estar muito presente na nossa vida quotidiana. Como notou um amigo meu bem posicionado no aparelho de Estado, os ministérios estão bem abastecidos de vários tipos de desequilíbrios mentais ou, como diríamos em linguagem comum, de gente “extravagante”.

Se o meu amigo tem razão — e estou convencido de que a tem pois ouvi contar a história de um ministro que andava, eufórico, pelos corredores do seu ministério a gabar-se de ser um Mozart rodeado de Salieris — então é legítimo interrogarmo-nos sobre o papel desempenhado pelo “original” nos aparelhos de governo e numa época em que nos bombardeiam constantemente com o conceito de boa governação. Que faz o insensato num quadro de boa governação? Não tenho respostas seguras para essas interrogações mas tenho as minhas suspeitas ou hipóteses explicativas. Não ignoro que alguns dos “originais” que andam por aí nos ministérios e órgãos de decisão dentro e fora do país são relativamente inócuos e se limitam a cumprir rotinas burocráticas. Mas os outros, os que detêm efectivo poder, detêm-no porque são as próprias forças dominantes na sociedade (forças económicas muitas vezes, mas nem sempre) que requerem o seu contributo, isto é, que precisam da sua “loucura” para levar a cabo trabalhos que pessoas equilibradas recusariam cumprir ou nunca cumpririam com o mesmo embotamento afectivo e a mesma eficácia fria - João Pedro Marques (Publicado pela 1ª vez in Jornal i, 25 de Março de 2013).