E agora, Seguro?

09-06-2014 12:13

Toda a gente já percebeu que este recente rilhar de dentes do governo para o Tribunal Constitucional é um biombo que esconde várias coisas. A mais óbvia é que o PSD e o CDS têm interesse em provocar uma crise política que leve, eventualmente, à convocação de eleições antecipadas, e o Tribunal Constitucional está a ser instrumental nessa enorme encenação.

O PSD e o CDS averbaram, nas últimas eleições europeias, a maior derrota que a direita alguma vez sofreu no Portugal democrático. Mas, por ironia das coisas (ou, melhor dizendo, por obra e graça da crise que, entretanto, se abriu no PS) oferece-se-lhes agora de bandeja a possibilidade de transformarem essa derrota numa futura e não muito distante vitória. E isso, por duas razões. Em primeiro lugar porque se desencadearem eleições agora ou nos tempos mais próximos, vão apanhar o PS esfrangalhado, dividido entre seguristas e costistas e, portanto, debilitado por desavenças internas e incapaz de reagir de uma forma compacta e acutilante. O PCP também o sabe e clama igualmente por eleições antecipadas. Em segundo lugar porque se o processo de demissão e de convocação dessas eleições for suficientemente célere, nem sequer darão tempo a que a situação se clarifique no campo do seu principal adversário e bater-se-ão contra um PS ainda liderado por António José Seguro. Ora, se Seguro era um adversário derrotável há três semanas atrás, é-o ainda mais agora que se emaranhou em estratagemas e subterfúgios, perdendo ainda mais a pálida face aos olhos da opinião pública. Se Seguro já era pouco convincente em Maio, agora é-o ainda menos. Por isso o governo e vários arautos da direita estão a agravar o atrito com o Tribunal Constitucional, estão a dramatizar as supostas implicações do seu último acórdão, com vista a arranjar um pretexto que justifique a demissão de Passos Coelho e que pressione Cavaco Silva a convocar eleições num prazo relativamente breve. Não se pode dizer que seja mal jogado por parte do PSD e do CDS. Em termos estritamente partidários, é do seu interesse precipitar uma crise que abale o status quo político e que apresse o sufrágio eleitoral.

Pode, aliás, dar-se o caso de que seja também esse o interesse de António José Seguro, ameaçado por António Costa, e que, assim, se tudo se precipitasse, faria uma fuga para a frente e deixaria o adversário interno sem tempo nem espaço para reagir. Não sei se será esse o pensamento de Seguro, se será essa a sua intenção. Espero que não pois, se assim fosse, seria um erro trágico para ele, para o partido e para o país. É minha opinião - e já o escrevi aqui, neste jornal - que Seguro não é a pessoa mais bem colocada para vencer as próximas legislativas de uma forma folgada e suficiente. António Costa está em melhor posição para isso. Toda a gente o sabe, incluindo a direita que, por esse motivo, força a mão e esporeia os cavalos. Ainda há
poucos dias Marques Mendes, comentando na televisão, considerou que António Costa poderia vir a obter uma maioria absoluta. Ora, ninguém reconhece a António José Seguro essa possibilidade.

Se a luta interna impedir Seguro de perceber e de aceitar esta realidade, se ela o cegar para os problemas
maiores que se põem ao país, se o crispar numa posição irredutível e na defesa obstinada do seu efémero trono, se o levar a protelar por muito mais tempo o momento das grandes decisões, então ele será o principal responsável pela derrota do PS e pela abertura de um novo ciclo de poder para a direita. Se, pelo contrário, essa disputa interna não o impedir de ser lúcido e abnegado, então ele apressará o mais que puder a clarificação da situação interna e, se isso vier a ser necessário, demitir-se-á do cargo de Secretário-Geral do PS, de forma a abrir caminho a uma liderança que possa levar o partido a uma vitória concludente e politicamente forte. Se o fizer, demonstrará que apesar de não ter carisma - e nem todos podem tê-lo -, possui ainda assim suficiente grandeza, visão e espírito de sacrifício para poder ser visto como um verdadeiro líder
político - João Pedro Marques (publicado pela 1ª vez in Jornal i, 9 de Junho de 2014).