Demolindo estátuas

27-01-2018 20:31

A Plataforma Feminista das Astúrias quer remover a estátua de Woody Allen existente em Oviedo. Porquê? Porque uma filha adoptiva do realizador, aproveitando os ventos anti-assédio que sopram forte nos Estados Unidos, veio desenterrar uma antiga história de cariz sexual e repetir as acusações de que Allen a teria assediado, ainda criança. Ora, estas feministas espanholas, insensíveis ao facto de o caso ter sido devidamente apreciado, na altura, de Allen ter passado pelo crivo de vários investigadores e peritos, entre os quais psiquiatras, e de ter sido absolvido (ainda que tivesse havido uma recomendação para que, de futuro, evitasse certos comportamentos que podiam conter alguma ambiguidade), exigem a remoção da sua imagem do espaço público.

Esta exigência é apenas mais uma manifestação de uma inquietante tendência censória que envenena o nosso tempo: a de suprimir, alterar ou demolir tudo aquilo com que não se concorda. As estátuas têm sido um dos alvos favoritos dos novos censores. Todos nos lembramos de que, no verão do ano passado, os iconoclastas politicamente correctos quiseram destruir ou retirar das praças e das ruas as estátuas dos generais Lee, Jackson e outros militares da Guerra da Secessão e chegaram a fazê-lo em meia dúzia de locais. Mas o movimento iconoclasta não se limitou nem limita às figuras e correspondentes memórias da Confederação. Alguns exemplos apenas: nos Estados Unidos levantam-se vozes contra as representações de Jefferson, Washington, Cristóvão Colombo; em Inglaterra há quem queira remover a estátua de Nelson de Trafalgar Square, e a de Rhodes do Oriel College, em Oxford; em Portugal, a estátua do padre António Vieira, em Lisboa, foi e continua a ser altamente contestada.

É interessante verificar que alguns dos que agora - e bem a meu ver - defendem Woody Allen com base nos pareceres e conclusões dos peritos que avaliaram o seu caso, atacaram há uns meses o padre António Vieira - que classificaram erradamente como racista e promotor da escravatura - e exigiram a remoção da sua estátua. Neste caso, não quiseram saber de pareceres de peritos pois têm preconceitos anti-época colonial ou anti-cristianização tão arreigados que se julgam perfeitamente aptos a, por exemplo, entender e enquadrar o significado histórico dos sermões do padre Vieira aos negros da Irmandade do Rosário.

De facto, e para além de grandes doses de ignorância atrevida, o que está geralmente em palco nesta questão das estátuas de figuras históricas é um mundo de preconceitos ideológicos e políticos. É normal que as pessoas queiram imortalizar através da pintura ou da estatuária aquilo e aqueles que admiram, mas já não é normal, ou pelo menos não é saudável, que queiram remover figurações que são vestígios de outra época, outra estética, outras visões do mundo e das coisas. Infelizmente é a isso que temos vindo a assistir, porque há gente que quer fazer do espaço público um espelho, uma extensão, dos seus panteons e ódios particulares e que, na mais obtusa tradição censória estalinista, se acha autorizada a apagar acontecimentos e figuras de distantes ou próximos passados nas fotografias do presente. É preciso combater frontalmente as ideias e iniciativas censórias dessas pessoas, mesmo, ou sobretudo, quando elas nos chegam em vestes moralistas - João Pedro Marques (publicado pela 1ª vez no Diario de Notícias de 27 de Janeiro de 2018).



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