Concordo com a designação de Museu dos Descobrimentos
Perguntam-me se concordo com a designação de Museu dos Descobrimentos. A resposta é sim. Descobrimentos é uma palavra adequada e internacionalmente reconhecida. Quem a recusa alega que é redutora, salazarista, eurocêntrica, mas essas alegações ou não são verdadeiras ou, sendo-o, não são suficientemente fortes para que se abra mão de um nome tão representativo e significativo para os portugueses. Recusar, em Lisboa, o nome Museu dos Descobrimentos com o argumento de que quem habitava as terras onde os navios portugueses chegaram não se sentiu descoberto, é o mesmo que dizer que, em Paris, um museu dedicado à Revolução Francesa não poderá chamar-se Museu da Liberdade porque muitos, na época, não se sentiram libertados pelos efeitos da Revolução, pelo contrário. São fracos argumentos.
Apesar disso, há um afã para substituir o nome Descobrimentos por outro que possa agradar a todos, nacionais e estrangeiros. Será preciso? Será viável? Arranjar um nome bacteriologicamente puro e capaz de cobrir as perspectivas de todos os envolvidos num processo tão amplo, complexo e longo, é o mesmo que encontrar uma agulha num palheiro. E se por milagre o encontrássemos quereríamos esse nome insonso e inodoro? Eu não. A palavra Descobrimentos faz sentido para os portugueses por muitas e boas razões, desde logo por ser um motivo de orgulho e por, na óptica portuguesa, ter havido descobrimento de mares, terras, gentes. Isso devia bastar para início de conversa. A aceitação do outro não exige nem aconselha que renunciemos a nós próprios. Não é assim que as pessoas e as culturas se encontram de uma forma saudável. É mantendo as respectivas identidades e respeitando essas identidades, e desde há muito que os Descobrimentos fazem parte da identidade portuguesa.
Dito isto, é importante sublinhar que a palavra deve ser entendida num sentido mais amplo do que o relativo ao mero achamento geográfico, e o futuro visitante do museu deverá ser alertado para o facto de que, através dela, se remete não apenas para a época das descobertas
marítimas, que finda no século XVI, mas para cinco séculos de curiosidade e acomodação, de coragem e vilania, de brutalidade e arrependimento, de exploração e altruísmo, em suma, para a trama e o drama da abertura dos mundos e da apropriação de espaços e gentes, processos em que os portugueses desempenharam um papel pioneiro e bem relevante. Um museu assim pensado deve levar-nos das primeiras viagens de descobrimento até às suas consequências distantes.
Eu compreendo que em certos círculos e países o termo Descobrimentos não traga boas recordações, mas isso não nos impede de o usar. De forma análoga a expansão Mongol traz as mais negras lembranças às gentes do Médio Oriente mas não é por isso que, na Mongólia, Gengis Khan deixa de ser venerado e a sua vida evocada museologicamente. Por cá, venerações e evocações dessas são difíceis pois nós, portugueses, cultivamos um estranho gosto pelas
consciências culpadas e maceradas de velhos pecados. Iremos persistir nisso no que respeita ao futuro museu? - João Pedro Marques (publicado pela 1ª vez in Expresso, 5 de Maio de 2018).