A história interminável da Operação Marquês

02-10-2016 22:38

Como já se temia, ainda não foi desta vez que o Estado cumpriu os seus próprios prazos e concluiu o inquérito da "Operação Marquês". Não deduziu a acusação nem arquivou o processo, ainda que, como a própria Procuradora-Geral reconhece em nota distribuída aos órgãos de comunicação, o prazo para tomar uma decisão num ou noutro sentido já esteja esgotado. Mas, logo acrescenta, esse prazo é meramente indicativo e, assim sendo, são dados mais 6 meses aos magistrados do Ministério Público para prosseguirem a investigação, admitindo-se desde já que o novo prazo limite (Março de 2017) possa também ele ser prorrogado.

Isto é inquietante por duas razões que analisarei, com base na nota da Procuradoria-Geral. A primeira dessas razões remete para a justificação dada para prolongar o inquérito. Os magistrados responsáveis pela investigação alegaram que, no decurso da mesma, depararam com novos factos, novas suspeitas, novas áreas a investigar. Daí esta prorrogação que se sucede a outra prorrogação que lhes havia sido dada por motivos equivalentes e que, a manter-se esta lógica, antecede a que eventualmente lhes será dada em Março de 2017. É que, na verdade, as investigações são como as conversas e como as cerejas, uma puxa a outra, e surge sempre qualquer coisa a seguir. Deixadas ao seu curso natural, as investigações nunca mais têm fim. É, por isso, necessário e salutar estabelecer objectos, metas e prazos e ater-se a eles. Senão, haverá sempre novos factos, novas relações, novas fronteiras, novas hipóteses e estaremos perante uma história interminável. Será esse o destino da Operação Marquês?

A segunda coisa que me inquieta na nota da Procuradoria-Geral é a necessidade que parece haver em contabilizar publicamente os trabalhos da investigação. De facto, a nota afirma que já foram realizadas "mais de 150 buscas e quase 130 inquirições e interrogatórios", constituídos "18 arguidos" e reunidos "quase 2900 documentos em suporte de papel e mais de 9 milhões de ficheiros informáticos", aos quais se somam "cerca de 270 apensos bancários". Será que com estes números se pretende dar uma satisfação à curiosidade e inquietação públicas? Será que se quer transmitir a ideia de que já se produziu algo de muito sólido e importante? Na verdade, os referidos números nada dizem quanto ao cerne da questão. Os investigadores até podiam ter reunido documentos que dessem para fazer uma nova Biblioteca Nacional e ter ouvido a população de Portugal inteiro, sem que isso acrescentasse uma vírgula ao assunto. Não é a quantidade de documentos e de inquiridos que importa. Uma investigação não se avalia a metro nem ao quilo. O que se procura saber aqui não é se os magistrados trabalham afincadamente (eu não duvido de que o façam) mas se desse seu trabalho resulta matéria criminal, isto é, se sai fumo branco pela chaminé do seu Vaticano. O que os arguidos e o povo português querem saber não é o número de pessoas ouvidas nem o dos documentos reunidos no processo. Isso é palha, como se dizia antigamente dos alunos que escreviam muito sem dizer nada que se visse. O que se quer saber é se as suspeitas que levaram à detenção e prisão preventiva de José Sócrates e de várias outras pessoas se confirmaram e se são capazes de consubstanciar uma acusação formal ou se, pelo contrário, se desfizeram em pó e não se confirmou coisa nenhuma.

É a isso que urge responder e de forma clara. Escrevi pela primeira vez sobre a Operação Marquês há cerca de 2 anos, quando José Sócrates foi preso, e não vejo razão para mudar uma única linha do que então escrevi, o que, vendo bem, é pena. Espero, todavia, que daqui a 6 meses tenhamos uma acusação com cabeça, tronco e membros, ou, em alternativa, um arquivamento, e não nova prorrogação de prazos porque isso seria péssimo para a imagem já muito abalada da nossa Justiça.
Convém não esquecer que a Justiça é um dos pilares do Estado Democrático. Basta ler as caixas de comentários dos jornais online para perceber que a suspeita e a desconfiança cavam cada vez mais fundo junto à base desse pilar (João Pedro Marques, publicado pela 1ª vez em Diário de Notícias de 2 de Outubro de 2016).