Razões do jornal Público para não publicar o meu artigo "Mamadou Ba e o mito do Haiti" e o que se me oferece dizer a esse respeito

29-09-2022 13:01

Público comunicou-me que não tinha "interesse editorial" no meu artigo e invocou três razões específicas para não o publicar:

Alegou, em primeiro lugar, que a intervenção de Mamadou Ba — que eu analisava e criticava — não havia sido noticiada no Público, o que é um argumento de nenhum valor ou sentido, pois os autores de artigos não opinam apenas sobre assuntos noticiados naquele ou noutros jornais.

Alegou, em seguida, e cito-o, que “a sua posição em relação à revolta do Haiti já é bem conhecida”, não se percebendo se essa frase se referia a Mamadou Ba se a mim. No primeiro caso a alegação seria um contrassenso porque foi precisamente por a posição do activista ser bem conhecida — e, acrescento eu, estar errada —, que me decidi a escrever o artigo em causa. No segundo caso, isto é, se a alegação se referisse a mim, então haveria uma gritante dualidade de critérios. Há que dizer que desde 2017 toquei por seis vezes na questão do Haiti, o que não julgo excessivo. Trata-se de matéria central no combate pela memória. Estranho, por isso, que o Público, conhecido e reconhecido por abrir as suas páginas a uma esquerda woke que aborda certos temas, e com as mesmas palavras, há anos e anos, se incomode, agora, com uma suposta repetibilidade da minha parte (aliás, mais aparente que real).

Explicou, ainda, o Público, em momento posterior, que recusara o artigo por eu citar um texto que Mamadou Ba escrevera no Facebook a que muitas pessoas não teriam acesso, não podendo, portanto, comprovar a veracidade da citação que fiz, tornando-se, assim, impossível, para o Público, assegurar o equilíbrio dos diferentes pontos de vista. Porém, esse argumento não colhe pois a página de Facebook de Mamadou Ba é pública. Qualquer um pode aceder a ela (como eu, aliás, acedi) e verificar a exactidão das afirmações que atribuí ao activista. Mas ainda que assim não fosse, não me parece que houvesse razão para recusar o artigo. É comum os autores, eu incluído, publicarem artigos de opinião em que fazem afirmações sobre o pensamento ou discurso de alguém que não são imediatamente comprováveis por quem as lê. O leitor toma por boas as afirmações do autor, se lhe reconhece credibilidade. Um artigo de opinião não é uma tese de doutoramento que requeira comprovação documental a cada passo.

Ou seja, e salvo melhor opinião, nenhuma das razões avançadas pelo Público para recusar o meu texto parece suficientemente sólida e válida.

João Pedro Marques